Foto: Micaela Menezes
por Ítalo Rui
Quatro atrizes se reúnem para contar memórias e histórias pessoais, rememorá-las em um espaço seguro e saudável no palco, essa é a principal premissa do coletivo Sujeito Solo, que inaugurou na última quarta-feira (20/03) a mostra de espetáculos de Teatro da 11° MOPI (Mostra da Escola Porto Iracema das Artes). A pesquisa do coletivo, intitula-se “Do caderninho, à cena”, evidenciando o desejo das artistas pela investigação de narrativas autobiográficas para o teatro.
Quando pensamos em uma obra teatral que pretende contar histórias de mulheres a partir de uma perspectiva autobiográfica, não é muito difícil imaginar que uma das possíveis discussões seria as violências que marcaram suas trajetórias. O teatro sempre, ou quase sempre abraça essa discussão. Em Fe!tA para contar-se, o coletivo vai na contramão desse movimento. Na cena, acompanhamos as histórias de quatro mulheres pulverizando nosso imaginário com experiências pessoais marcadas pelo afeto e pelo cuidado. Me pareceu interessante a escolha do coletivo em discutir a não ida pelo caminho fácil¹, pela discussão em voga, e sim, o entrelaçamento de histórias que trazem uma perspectiva acolhedora e bonita sobre essas trajetórias. Tornando o palco, (lugar de exposição que externaliza desassossegos e pode criar gatilhos), em um ambiente saudável e seguro. Aqui é perceptível que o coletivo não desejou reproduzir um ambiente que acabasse afastando o espectador.
Alguns dispositivos dão tom a isso, como a cena de “benzimento”, um cuidado/memória protagonizado pela atriz Suimara Evelyn que apanha uma mulher na plateia e a traz para o palco, lançando palavras de cuidado à espectadora. Ou até mesmo na cena em que todas estão reunidas catando feijão. Há uma simplicidade nos gestos e na ação de catar. E há uma beleza que opera o simples gesto de catar feijão, as atrizes se escutam e trocam experiências, como por exemplo, ser uma sapatão apaixonada.
No entanto, se por um lado, vejo um distanciamento ou até uma recusa da violência como temática que poderia orbitar a obra, por outro, eu vejo uma investigação que ainda opera na superfície dessas histórias e dessas escolhas.
¹ Não quero dizer que seja fácil tratar de violência e muito menos reproduzí-las na cena. O que defino como “fácil” seria a escolha por uma temática delicada e que as artes da cena já o fazem com frequência.
Foto: Micaela Menezes
Ao longo do espetáculo fiquei me perguntando como as atrizes articulam essas pregnâncias de si na cena? Como potencializam e verticalizam as escolhas por um espaço não violento e acolhedor, de modo que o público esteja mais envolvido e menos contemplativo? Como criar um campo de intimidade mais incisivo? A espacialidade é outro fator que poderia ser repensado e trabalhado.
Apesar das atrizes, em dois momentos buscarem pessoas na plateia e levarem para o palco, essa interação fica ainda muito limitada e pouco se desenvolve nas cenas seguintes. O que me leva a perguntar: se as escolhas em acolher foram determinantes para o tom do espetáculo, como uma ação prepara a próxima? Como esse fio de memórias pode costurar uma peça que vista a plateia e que a mesma se sinta abraçada por ela? São perguntas que podem ir, de maneira mais precisa, na direção do que as próprias criadoras desejam, que é mergulhar num rio de memórias com música, arte, poesia e amor. As linguagem estão aí, e as materialidades estão postas à mesa, o que vale é aprofundá-las.
Sobre o Autor: Ítalo Rui é ator, produtor cultural e crítico teatral. Bacharel em Teatro pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e Mestre em Artes pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Ficha Técnica
Criação e concepção artística: Coletivo Sujeito Solo
Elenco: Yasmin Lima, Eduarda Bezerra, Suimara Evelyn e Lucivania Lima
Tutoria de pesquisa: Cecília Maria
Publicado em 01 de abril de 2024