Escola de Formação e Criação do Ceará

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Lua Cavalcante fala sobre tutoria de “D-Ex-Votos”, projeto do Laboratório de Dança que dialoga tradição religiosa por meio do corpo com deficiência

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Foto: Lua Cavalcante

Lua visitou a Escola recentemente para realizar tutoria presencial e uma roda de conversa sobre sua pesquisa intitulada “Poéticas da Deformidade”

Educadora, artista, aleijada e pedagoga especializada em pedagogia griô, Lua Cavalcante é tutora do projeto “D-Ex-Votos”, um dos selecionados para a 12ª edição dos Laboratórios de Criação da Porto Iracema das Artes – Escola de Formação e Criação do Ceará que integra a Rede Pública de Equipamentos da Secretaria de Cultura do Ceará (Rece), gerida em parceria com o Instituto Dragão do Mar. Após uma primeira visita em novembro de 2024, Lua retorna à Escola para outra tutorial presencial e também para apresentar uma roda de conversa sobre sua pesquisa intitulada “Poéticas da Deformidade”.

O termo “aleijada”, utilizado de forma pejorativa para se referir a pessoas com deficiência, está entre os utilizados por Lua para se descrever, numa forma de se apropriar dele para, então, ressignificá-lo. 

“Eu procuro outros modos de observar o aleijo, entendo o aleijo como possibilidade de um campo de criação de identidades e saberes e vidas. Meu princípio é reelaborá-lo a partir de uma perspectiva aleijada, a partir de um lugar de olhar para o aleijo enquanto potência, enquanto fertilidade, enquanto um campo, inclusive, de ficção para a construção de novos corpos e novas existências”, conta a artista.

Foi essa proposta de outros olhares que a fez ser convidada pelo proponente do projeto “D-Ex-Votos”, João Paulo Lima, para estar como tutora. Lua diz compreender que esse papel é mais “curatorial”, na qual ela busca apoiar e investir em conversas sobre essa investigação da ligação do ex-votos no campo da dança. 

Os ex-votos são uma tradição religiosa oriundas da expressão em latim “ex-voto suscepto”, traduzida como “pela promessa realizada”, sendo um ritual de agradecimento às divindades por cura de doenças ou outras graças alcançadas. Utilizando os ex-votos como ponto de partida, João Paulo convidou Júlia Sarmento e Daniel Rocha para desenvolverem o projeto “D-Ex-Votos”, uma experiência híbrida de criação de dança cujo fulcro e gatilho principal é o corpo com deficiência e suas modulações no imaginário de um povo.

Confluência artística

Lua conta que essa pesquisa se alinhou com a sua trajetória artística, “Eu, inclusive, estou fazendo uma exposição individual que também está pesquisando um pouco sobre os ex-votos e venho trazendo essa prática enquanto processo artístico. Então, imagino que o João tenha me convidado a partir dessas uniões, dessas confluências, como diz o mestre Nêgo Bispo, que a gente tem na nossa trajetória”, reforça.

Anteriormente, Lua explorou a relação entre religiosidade e deformidades com a instalação “Oratório de Santa Maria Garra”, que consiste em um oratório para uma santa inventada, onde se reza pelos corpos aleijados que já viveram, vivem e ainda viverão na terra. A proposta consistia em inventar uma santa que não cura as deformidades, mas acolhe as perspectivas acerca delas, trazendo noções de coletividade além das violências que conectam os corpos aleijados. A instalação fez parte da exposição “Composições para tempos insurgentes” no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 2021.

Essa coletividade foi o que aproximou Lua e João Paulo, membros da comunidade de artistas com deficiência física. “A gente entende que nosso corpo é um corpo ancestral, é um corpo comunitário, é um corpo coletivo, que carrega muitos saberes e muitas violências por ser um corpo com deficiência num mundo não deficiente. Então, a gente tem essa construção comunitária já de antes, de outros projetos, de outros encontros  e de outras afinidades por sermos pessoas com deficiência física, com a mesma deficiência, praticamente, no sentido do nosso corpo ser lido pelas mesmas óticas”, explica, ao ser perguntada sobre como surgiu o convite para a tutoria.

Coesão completa

Lua esteve na Escola em novembro de 2024 para a primeira tutoria presencial do projeto. No período, focou em observar, se “inteirar” nas coreografias, processos e movimentos, mas sempre destacando a conexão dos participantes do projeto, que inclui também Júlia Sarmento e Daniel Rocha como colaboradores. Agora, nesse retorno para a segunda tutorial, ela diz estar em busca de “um refino, muito mais num alinhamento até espiritual” entre os quatro integrantes do projeto, já em processo de finalização de seu desenvolvimento.

“Esse é o meu desejo aqui para essa segunda tutoria, de costurar realmente o que tem que ser costurado, podar o que tem que ser podado e de trazer essa coesão completa para o grupo”, diz a artista.

Para além da tutoria, Lua Cavalcante também promoveu uma roda de conversa no auditório da Porto Iracema das Artes no dia 23 de janeiro, com base em sua pesquisa “Poéticas da Deformidade”, na qual ela compartilhou um pouco sobre seu processo de criação e da sua investigação artística, incentivando o público a trazer questionamentos sobre o que se faz na deformidade e como ela se dá na sociedade, discutindo como a arte é um campo possível para desenvolver essa discussão.

SOBRE OS LABORATÓRIOS DE CRIAÇÃO

São espaços de experimentação, pesquisa e desenvolvimento de projetos culturais em cinco linguagens: Artes Visuais, Audiovisual, Dança, Música e Teatro. Funcionam em regime de imersão, por meio de processos formativos de excelência, desenvolvidos em torno das propostas previamente selecionadas. Os artistas recebem orientação de tutores e tutoras, que conduzem à qualificação dos projetos por meio de orientações individuais, além de oficinas, palestras e masterclasses pelo período de sete meses. Os laboratórios funcionam em regime de imersão, através depor meio de processos formativos de excelência, desenvolvidos em torno de propostas previamente selecionadas. Durante esse tempo, os artistas selecionados recebem ajuda de custo para que possam se dedicar integralmente ao desenvolvimento de suas propostas. Ao longo de onze edições, de 2013 a 2024, 699 artistas passaram pelos Labs e 285 projetos foram selecionados.

SOBRE A ESCOLA

A Porto Iracema das Artes é a escola de formação e criação em artes do Governo do Estado do Ceará, instituição da Secretaria da Cultura (Secult) gerida em parceria com o Instituto Dragão do Mar (IDM). Criada em 29 de agosto de 2013, há onze anos desenvolve processos formativos nas áreas de Música, Dança, Artes Visuais, Cinema e Teatro, com a oferta de Cursos Básicos e Técnicos, além de Laboratórios de Criação. Todas as ações oferecidas são gratuitas.

Assessoria de Comunicação Porto Iracema das Artes | Texto: Arthur Albano (estagiário) | Supervisão e Edição: Gabriela Dourado (jornalista) | Publicado em 24 de janeiro de 2025