Artistas se manifestaram contra o regime em todas as linguagens artísticas
Há exatos 55 anos, instalou-se no Brasil uma violenta Ditadura Militar, que por meio do Golpe Militar de 1964 tirou do poder o presidente eleito pelo voto direto, João Belchior Marques Goulart (1918-1976). Durante 21 anos, o País viveu sob o comando de sucessivos governos militares e sob uma repressão que só se agravava com o tempo. Dentre as tantas atrocidades cometidas pela Ditadura Militar nesse período, como prisão, estupros, sequestros, tortura e assassinato de opositores ao regime, houve uma forte censura à imprensa e às artes. Apesar disso, muitos artistas conseguiram burlar o sistema e, de forma poética, denunciar a repressão.
Relembramos a força de todos aqueles que lutaram e morreram em defesa da democracia, como o cearense Frei Tito (1945-1974), frade dominicano preso e torturado que denunciou os horrores desse período com cartas, depoimentos e também com poesia. “Quando secar o rio da minha infância”, escrita durante seu exílio em Paris, no ano de 1973, é uma dessas denúncias.
Quando secar o rio de minha infância,
secará toda dor.
Quando os regatos límpidos de meu ser secarem, minh’alma perderá sua força.
Buscarei, então, pastagens distantes
Irei onde o ódio não tem teto para repousar.
Ali, erguerei uma tenda junto aos bosques.
Todas as tardes me deitarei na relva,
e nos dias silenciosos farei minha oração:
Meu eterno canto de amor: expressão pura de minha mais profunda angústia
Nos dias primaveris, colherei flores para
meu jardim da saudade.
Assim, exterminarei a lembrança de um passado sombrio.
— Tito de Alencar
Abaixo, trazemos uma lista de indicações nas áreas das Artes Visuais, Dança, Música, Teatro e Cinema com registros desse período, além de outras produzidas posteriormente, para relembrarmos e reafirmarmos que: Ditadura nunca mais!
- ARTES VISUAIS
- CINEMA
Manhã Cinzenta (Dir. Olney São Paulo, 1968)
“Baseado em conto homônimo de Olney São Paulo, o filme é uma alegoria de regimes autoritários, e é ambientado em um país fictício da América Latina. Retrata um casal de estudantes que segue para uma passeata onde o rapaz, um militante, lidera um comício. Eles são presos, torturados na prisão e sofrem um inquérito absurdo dirigido por um robô e um cérebro eletrônico.”
Pra Frente, Brasil (Dir. Roberto Farias, 1982)
“Após ser confundido com um ativista político, um pacato cidadão da classe média é preso e torturado por agentes federais durante a euforia do milagre econômico brasileiro e da Copa do Mundo de 1970.”
Cabra Marcado para Morrer (Dir. Eduardo Coutinho, 1984)
“Início da década de 60. Um líder camponês, João Pedro Teixeira, é assassinado por ordem dos latifundiários do Nordeste. As filmagens de sua vida, interpretada pelos própios camponeses, foram interrompidas pelo golpe militar de 1964. Dezessete anos depois, o diretor retoma o projeto e procura a viúva Elizabeth Teixeira e seus dez filhos, espalhados pela onda de repressão que seguiu ao episódio do assassinato. O tema principal do filme passa a ser a trajetória de cada um dos personagens que, por meio de lembranças e imagens do passado, evocam o drama de uma família de camponeses durante os longos anos do regime militar.”
O que é isso, companheiro? (Dir. Bruno Barreto, 1997)
“O jornalista Fernando (Pedro Cardoso) e seu amigo César (Selton Mello) abraçam a luta armada contra a ditadura militar no final da década de 60. Os dois alistam num grupo guerrilheiro de esquerda. Em uma das ações do grupo militante, César é ferido e capturado pelos militares. Fernando então planeja o sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Burke Elbrick (Alan Arkin), para negociar a liberdade de César e de outros companheiros presos.”
Ação entre amigos (Dir. Beto Brant, 1998)
“Vinte e cinco anos depois de terem participado da luta contra a ditadura, Miguel, Paulo, Osvaldo e Elói descobrem que seu torturador está vivo e se reúnem para sequestrá-lo. Mas a revelação que ele vai fazer pode abalar a antiga amizade.”
Cabra Cega (Dir. Toni Venturi, 2005)
“Os anos de chumbo da ditadura norteiam a vida de dois estudantes que vivem o sonho da revolução. Comandante de um grupo de ação, Tiago é ferido em uma emboscada da polícia e precisa se esconder em um apartamento. A militante de base Rosa torna-se, então, sua enfermeira e único contato com o mundo.”
O ano em que meus pais saíram de férias (Dir. Cao Hamburguer, 2006)
“Um belo dia, os pais de Mauro precisam viajar inesperadamente e o deixam aos cuidados de um vizinho judeu, o velho Shlomo. O filme mostra as marcas da ditadura brasileira na vida familiar, sob o olhar de um menino mineiro em 1970.”
Em busca de Iara (Dir. Flávio Frederico, 2014)
“Conheça a trajetória excepcional de Iara Iavelberg, que abandonou a família para investir na luta armada durante a ditadura militar. Atuante no movimento estudantil de 1960, Iara foi o grande amor de Carlos Lamarca.”
Batismo de Sangue (Dir. Helvécio Ratton, 2007)
“São Paulo, fim dos anos 60. O convento dos frades dominicanos torna-se uma trincheira de resistência à ditadura militar que governa o Brasil. Movidos por ideais cristãos, os freis Tito (Caio Blat), Betto (Daniel de Oliveira), Oswaldo (Ângelo Antônio), Fernando (Léo Quintão) e Ivo (Odilon Esteves) passam a apoiar o grupo guerrilheiro Ação Libertadora Nacional, comandado por Carlos Marighella (Marku Ribas). Eles logo passam a ser vigiados pela polícia e posteriormente são presos, passando por terríveis torturas.”
- DANÇA
Mobilização
Grupo Experimental de Dança / Direção: Lia Robatto (Salvador, 1978)
Ballet Stagium: inovação e resistência
Em atuação desde a sua criação em 1971, durante a ditadura militar no Brasil, o Ballet Stagium figura no hall das mais bem conceituadas companhias de balé brasileiras, reconhecida nacionalmente por seu projeto de engajamento político. Traz à tona temas como racismo, violência, opressões e genocídios, a companhia cria coreografias adaptáveis a qualquer cenário e dialoga diretamente com o público ao se apresentar em pátios de escolas públicas das periferias dos grandes centros, comunidades, igrejas, praias, hospitais, estações de metrô, presídios, palcos flutuantes, desfiles de escolas de samba e em chão de terra batido de comunidades indígenas.
Mais informações: A dança na ditadura
- MÚSICA
A coordenação do Laboratório de Música criou uma playlist com músicas que retratam o período. São 23 canções de alguns dos principais artistas do País, como Chico Buarque, Gilberto Gil, Jards Macalé, Milton Nascimento, Caetano Veloso e Belchior. Acesse a playlist 1964 do Porto Iracema das Artes no Spotify
- TEATRO
Peças de teatro para conhecer mais sobre a Ditadura Militar:
Opinião
Marco da história cultural brasileira e dos artistas que procuraram se opor ao golpe militar. Estreada em dezembro de 1964, com direção de Augusto Boal, o show-manifesto de resistência era composto por referências disfarçadas em músicas de protesto, de forma a driblar a censura. Artistas como Nara Leão (depois substituída por Maria Betânia), Paulo Pontes e Vianinha.
Roda Viva
Em 1968, a peça de Chico Buarque, montada pelo Teatro Oficina, foi brutalmente censurada. O Comando de Caça aos Comunistas invadiu o teatro onde a peça era encenada, em São Paulo, espancaram atores, destruíram o cenário e obrigaram os atores, como Marília Pêra e Rodrigo Santiago, a passarem por uma espécie de corredor polonês na rua, nus. Em 2018, o Teatro Oficina remonta o texto atualizando para questões atuais do Brasil e do mundo.
Ponto de Partida
A peça “Ponto de Partida”, de Gianfrancesco Guarnieri, é montada em 1976 para denunciar o assassinato do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do DOI-Codi paulista. Numa aldeia medieval sufocada pelo medo e pela tirania, um poeta amanhece misteriosamente enforcado na praça e o inquérito é construído para manter o crime impune. “É preciso saber das coisas”, diz o narrador da peça, acrescentando que “é preciso saber o quanto é perigoso saber das coisas”.
A morte de Danton
“A Morte de Danton”, de Georg Büchner e dirigida por Aderbal Freire Filho em 1977, é um libelo em defesa da liberdade e foi encenada no espaço subterrâneo do metrô em construção no Rio de Janeiro.
Dois perdidos numa noite suja
Plínio Marcos é o autor de “Dois Perdidos numa Noite Suja”, encenada pela primeira vez em 1967. Suas peças introduziram personagens até então ausentes do palco: marginais, lúmpens, sem nenhuma concessão ao lírico. Foi o dramaturgo mais proibido e perseguido pela censura. Durante a ditadura militar, 18 peças de sua autoria foram vetadas.
Assessoria de Comunicação Porto Iracema das Artes | Myke Guilherme e Raphaelle Batista
Publicado em 31/03/2019