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Escola de Formação e Criação do Ceará

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“Criar no sentido estrito é experimentar”, afirma Guillermo Cacace, diretor argentino que ministra aula-aberta na Porto Iracema das Artes

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Foto: Alejandra López

Guillermo Cacace nem imaginava que seus caminhos se cruzariam com os de um coletivo de experimentação teatral quando ministrou um módulo no curso “Conexões Contemporâneas”, na Escola Pública de Teatro da Vila das Artes, em 2012. À época, dois  alunos que assistiam sua aula eram Levy Mota e Ana Luiza, integrantes do grupo Teatro Máquina e participantes do experimento cênico proposto pela encenadora Fran Teixeira em cima da peça “FATZER” de Bertolt Brecht.

A peça inacabada conta a história de quatro soldados desertores da Primeira Guerra Mundial confinados em uma casa. O experimento de Fran Teixeira se utiliza dos fragmentos originais de Brecht para criar uma narrativa própria em colaboração com o Teatro Máquina. O resultado desembocou na tese de doutorado de Fran Teixeira e num espetáculo intitulado “Diga que você está de acordo! MÁQUINAFATZER”, aceito para ser desenvolvido ao longo de sete meses no Laboratório de Teatro da Porto Iracema da Artes, ainda em sua primeira edição, em 2013.

Levy Mota sabia que esse espetáculo exigiria uma atenção especial para a atuação e por isso lembrou-se do módulo ministrado por Cacace: “Ficamos bem impressionados com a sua forma de trabalhar, de uma inteligência para a cena muito voltada ao que cada ator/atriz podia oferecer. Ele soube aproveitar o melhor que cada um trouxe para o processo”, conta o ator. Logo, não foi surpresa quando o nome do diretor argentino foi escolhido para a tutoria do projeto. 

Guillermo Cacace é formado pela Escola Nacional de Artes (UNA) de Buenos Aires e, desde 2003, ministra oficinas de atuação e direção de atores na “Apacheta Sala/Estudio”, seu laboratório e sede da sua produção teatral. Já trabalhou tanto na direção de textos clássicos quanto em textos contemporâneos, além de obras de experimentação performática. Experimentação, aliás, é uma palavra primordial em seu vocabulário, o levando a confluir com o trabalho do Teatro Máquina, coletivo atuante há mais de vinte anos na cena de Fortaleza.

“O fato de o grupo Teatro Máquina trabalhar com a experimentação é a área de maior encontro com a minha proposta. Porque eu acho que o teatro deve ser sempre um processo de pesquisa experimental. Se o teatro não se preocupa com a pesquisa, limita-se apenas a reproduzir a ordem do que já existe, e isso é oposto a criar. Criar no sentido estrito é experimentar”, explica Cacace, tutor do projeto quando o Laboratório de Teatro ainda se denominava Laboratório de Pesquisa Teatral. 

Transformações durante o processo 

Sobre a condição de tutor, Cacace conta que a articulação se deu com o desejo de ambas as partes, e ter servido nessa imagem é algo bonito porque ser tutor tem a ver com o papel de acompanhar o processo, de ouvir as necessidades do grupo e estar lá como apoio.

O desenvolvimento da peça acabou tornando o texto de Brecht algo secundário. O que se traduziu no palco foi algo muito mais imagético e físico, diz Levy Mota, lembrando do começo da montagem no qual os integrantes faziam uso de uma técnica chamada “Gramelô”, transformando a fala em um jogo onomatopeico de palavras. Porém, conforme o processo seguiu, notou-se que seria mais interessante reduzir o texto ao máximo e buscar um “resto de português, uma linguagem também destruída, fragmentada, reduzida”. A única frase dita inteira na peça é de Therese, a mulher da casa, e apenas uma vez. 

Sobre isso, Cacace é enfático: “O importante para mim não são os resultados traduzidos em imagens e o físico, isso é uma consequência. O fundamental foi ter a coragem, com Brecht, de se afastar de um teatro centrado no texto… A atuação sempre dependeu muito do texto, da palavra, e a atuação tem sua própria força como evento produtor de acontecimentos. Assim, a potência do físico e a beleza das imagens têm essa ligação de reduzir a herança ocidental do teatro como sinônimo de literatura”.

Desafios

Reduzir o texto, no entanto, não foi o maior desafio ao montar “MáquinaFatzer”. Segundo o diretor argentino, trazer o tempo presente para a peça e conseguir habitar nela as situações descritas naqueles fragmentos do início do século XX foi o principal. Para ele era preciso repensar o que é político no teatro século XXI e com esta posição encontrar novos sistemas de representação.

“Hoje a gente vive uma série de guerras, de massacres”, pontua Levy em entrevista ao Diário do Nordeste. “É quase uma nova Guerra Fria, e por isso a gente viu que fazia muito sentido fazer o Fatzer hoje, porque é um espetáculo que fala sobre violência, sobre o que a guerra deixa para as pessoas, como a guerra transforma corpos, vidas”, destaca, indo ao encontro do pensamento de Cacace.

Dez anos depois da primeira montagem de MáquinaFatzer, Guillermo retorna para a Porto Iracema das Artes, e apesar de ser uma experiência muito exigente para o corpo, ele diz não se importar com o cansaço, pois o carinho desenvolvido pelo Teatro Máquina é recompensador. “Não nos vemos muito, não falo quase nada de português, mas sinto uma vibração afetiva muito bonita por este coletivo de pessoas queridas. Também os respeito e admiro seu trabalho. O FATZER é, mais uma vez, uma bela desculpa para passar uns dias com um grupo de grandes artistas”, responde de bom-humor.

Bate-papo sobre processo criativo e aula aberta

Para além da nova temporada do espetáculo no Teatro do Dragão, Guillermo Cacace celebra os dez anos de seu envolvimento com o projeto “MáquinaFatzer” com um bate-papo sobre o processo criativo no auditório da Porto Iracema das Artes, dia 26 de julho, às 16h.

Ele também ministra uma aula aberta às 18h intitulada “Práticas Atorais Situadas” descrita como: “Um convite para pensarmos juntos que há uma performance hegemônica que tende a apagar os signos territoriais das práticas situadas. Há um potencial de ação capturado em fatores invisíveis que reduzem a potência das infinitas possibilidades que um corpo que age pode ter. Ninguém sabe o que esse corpo que age pode fazer, seria uma versão spinoziana desta ideia”. 

Segue abaixo a sinopse da aula nas palavras de Cacace:

“Quando falamos do situado em Donna Haraway, estamos nos referindo à ideia de que o conhecimento e a experiência estão sempre enraizados em contextos específicos e situados, não podendo ser separados deles. Haraway argumenta que a objetividade tradicionalmente concebida como neutra e imparcial é um mito, e que todas as formas de conhecer e compreender o mundo são condicionadas por fatores como cultura, gênero, classe social e posição geográfica. A atuação é uma prática sensível de produção de conhecimento. É uma ética da respons-habilidade (como a autora escreve o termo) na era do Antropoceno. Trabalharemos com este conceito quando falarmos sobre atuação situada. Arriscamos até a possibilidade de dizer que: o texto (qualquer literatura dramática no sentido amplo) se tornaria uma realização situacional. A tradicionalmente mencionada “situação dramática” torna-se mais um eixo de ancoragem do evento de atuação e não uma hierarquia à qual a atuação deve se submeter”.

Tanto o bate-papo quanto a aula aberta são ações do projeto “Navegantes no Tempo”, um projeto da Escola que, inaugurando sua segunda década de existência, olha para o passado e se reconhece em artistas e coletivos que colaboraram de maneira fundamental para construir o que a Porto Iracema é hoje – na mesma medida em que a passagem pela escola impactou de forma marcante a trajetória desses artistas. Por meio de conversas, aulas, apresentações e outras atividades, o projeto busca compartilhar com o público experiências de mergulho profundo na criação de obras que navegam nas águas do tempo.

SERVIÇO

Bate-papo com Guillermo Cacace e integrantes do Teatro Máquina sobre o processo criativo do “MáquinaFatzer”

Onde: Auditório da Porto Iracema das Artes

Quando: 26 de julho às 16h

Gratuito e aberto ao público

Aula aberta “Práticas Atorais Situadas” com Guillermo Cacace

Onde: Auditório da Porto Iracema das Artes

Quando: 26 de julho às 18h

Gratuito e aberto ao público

Assessoria de Comunicação Porto Iracema das Artes | Supervisão e Edição: Gabriela Dourado (jornalista) | Publicado em 26 de julho de 2024