Rodrigo Almeida, de Pernambuco, teve o roteiro “Pederastia” selecionado na Residência Nordeste do Laboratório de Audiovisual/Cinema 2016. A narrativa conta a história de Evandro, um professor gay do curso de cinema. Competente, ele é visto com admiração e respeito, mas convive com a sensação de ter abdicado de seus anseios artísticos pela estabilidade financeira da universidade. Nesse contexto de desânimo, com muitas andanças, bebedeiras e encontros furtivos na noite recifense, ele vê esperança ao se envolver em relações afetivas, também relações de poder (…) Confira a entrevista!
Porto Iracema – Como surgiu o seu interesse pelo cinema / audiovisual?
Rodrigo Almeida – Primeiramente, #foratemer.
Sempre fui nerd no sentido de pesquisar as coisas a fundo e sempre gostei de cinema desde pequeno. Fui dessas crianças que pedia para o pai levar nas estreias de alguns filmes, colecionava revistas, pesquisava todos os verbetes sobre cinema na Barsa, passava horas nas locadoras buscando títulos que ainda não tivesse visto, depois comecei a frequentar mostras e festivais com certa regularidade, fazer cursos de roteiro, de história da arte, a porra a quatro. Mas acho que “fazer cinema” foi algo que demorou um pouco para acontecer na minha cabeça, primeiro por preguiça, sempre pensava no trabalho que dava fazer um filme e na dificuldade de trabalhar em equipes, até tentei no começo da faculdade, mas não deu muito certo. Por isso, sempre fui mais da literatura e da solidão proporcionada pelo ato de escrever, sempre gostei de ficar sozinho no meu mundo colocando algumas ideias no papel. Sou formado em jornalismo, comecei escrevendo contos, poesias, crônicas, críticas, depois organizei o cineclube Dissenso em Recife durante 6 anos onde basicamente tive o grosso de minha formação audiovisual, passei a trabalhar como curador do Janela Internacional de Cinema do Recife, viajei para ministrar alguns cursos de história do cinema ou oficinas de cineclubismo até um momento que o cinema estava em todos os lados da minha vida. Nesse contexto, junto com três amigos (André, Chico e Fábio) e com uma experiência teórica já bem embasada criamos o Surto & Deslumbramento , um coletivo que inicialmente pretendia criar uma alternativa estética para um cenário cinematográfico que considerávamos extremamente heteronormativo e incapaz de discutir política através da farsa, do deboche e da ironia.
PI- Como você tomou conhecimento do Laboratório de Audiovisual? Apesar da distancia geográfica, por que você teve interesse em participar?
Rodrigo Almeida – Eu soube do laboratório bem por acaso, porque tinha escrito o argumento de Pederastia e comecei a buscar possíveis laboratórios, seja para desenvolvimento de roteiro, seja para conseguir verba de realização. Apesar de um conhecido, Marcelo Lordello (também lá de Recife), já ter participado do ano passado, nunca ninguém tinha comentado sobre essa iniciativa (só depois descobri que vários amigos participaram da seleção em edições anteriores). Realmente descobri por acaso, puro google. Também não conhecia ainda o Porto Iracema, mas nessa pesquisa vi que o Lab Audiovisual estava com as inscrições abertas, daí me joguei e rolou. Não conhecia Fortaleza muito bem, só passei rapidamente há muitos e muitos anos, apesar de me interessar muito pelo trabalho de algumas pessoas daí, como Guto Parente, Salomão Santana, Uirá dos Reis e o próprio Karim. Também tenho visto mais de perto coisas incríveis que conhecia a distância, como as Travestidas, Yuri Firmeza e a banda Verônica Decide Morrer. Sem contar que tenho feito alguns amigos novinhos, como Breno Baptista e Paulo Victor Soares, que já arrasam muito e muito em breve vão arrasar muito e muito mais.
PI – Como nasceu o projeto “PEDERASTIA”? Qual a problemática que ele traz?
Rodrigo Almeida – O termo “Pederastia” designava a relação socialmente reconhecida entre um homem mais velho e um mais novo, geralmente adolescente, durante alguns períodos da Grécia Antiga, como parte não apenas de um desejo erótico e práticas sexuais, mas com a função social do mais velho se tornar um guia da vida para o mais jovem. Esse ritual de passagem estava relacionado à introdução do rapaz em espaços sociais, tais como clubes, jantares e festas. Esse conceito serviu de ponto de partida para a história que acompanha a entrada de Jorge, um jovem flanelinha, no universo de Evandro, um professor universitário libertário. Se por um lado, Evandro tenta “prepará-lo”, quase como civilizá-lo, para esse “novo mundo”; por outro, Jorge reage de maneira ambígua, por vezes aceitando, por vezes refutando tais tentativas. Isso começa a transparecer na relação dos dois de maneira cada vez mais violenta, criando um ambiente ainda mais complexo por conta da presença de Pedro, um orientando de Evandro que durante a feitura de um filme se encanta mais e mais pelo seu orientador. Os três terminam entrando num espiral de violência e destruição. Assim como meus filmes anteriores Casa Forte (2013) e Como era gostoso meu cafuçu (2015), sinto que estou cruzando, talvez sob um outro ponto de vista de dramaturgia, paradoxos do poder através de questões de classe, raça e sexualidade.
PI – Em quais projetos vocês está envolvido hoje em Pernambuco?
Rodrigo Almeida – Atualmente continuo como curador do Janela Internacional de Cinema do Recife, vou produzir o curta “Primavera”, de Fábio Ramalho, integrante do nosso coletivo, no final de julho e estou escrevendo um texto para um livro que vai acompanhar o DVD de “Brasil S/A”, longa de Marcelo Pedroso. Devo lançar até o final de julho o e-book “O Cinema e seu Testamento”, reunindo escritos antigos que escrevi sobre audiovisual. Fora isso, estou finalizando minha tese de doutorado (ufa!), pretendo desenvolver uma pesquisa sobre filmes perdidos do cinema pernambucano, uma espécie de obituário estético e comecei a engatinhar numa proposta para criar um Núcleo Criativo com um pessoal de Recife, Fortaleza e do Rio.
PI- Qual as expectativas que você tem quanto à essa experiência no Porto Iracema?
Rodrigo Almeida – De antemão, fiquei bem encantado com espaços como o Porto Iracema e a Vila das Artes. Não temos nada parecido no Recife, nada com um caráter de formação cultural com tanta vitalidade, transversalidade de linguagens e atuação constante. São duas iniciativas realmente incríveis. Também estou bem encantado com a aproximação com a cidade de Fortaleza, não só porque vai possibilitar o desenvolvimento / aprimoramento de pelo menos dois roteiros de longas-metragens de minha autoria no laboratório de audiovisual, como porque senti uma vibração artística e de espaços culturais muito pujante (algo que em Recife me parece agora, nesse momento, um pouco acomodado). Acredito que as trocas com outros participantes, acadêmicos e artistas da cidade necessariamente vai abrir as portas para o nascimento de novas e futuras ideias. Minha ideia é passar uma mini-temporada agora em junho / julho direto em Fortaleza.
PI – Que caminhos você deseja trilhar/continuar após a passagem pelo Laboratório?
Rodrigo Almeida – Quero continuar seguindo meu caminho, aquietar um pouco minha vida cigana em algum lugar para poder dar continuidade aos meus projetos, continuar escrevendo e pesquisando, fazendo filmes, curando mostras, ministrando cursos, fazendo o que eu gosto e depois voltar a vida cigana novamente porque ela não pode parar. 😉