Foto: Ionara Sena
por Ítalo Rui
Um cortejo deu início à apresentação de Entremeios Poéticos na Escola Porto Iracema das Artes. O mestre Tico Barbosa e a mestra Lúcia Guerreira lideraram a atividade, e logo atrás vinham os artistas Gabriel Ângelo e Andreia Paris. Fomos direcionados até o pátio da escola e durante esse percurso um grande “cordão umbilical” foi formado pelos espectadores, até que todos estivessem sentados, em formato de semi arena. A imagem do cordão umbilical (que conecta os artistas e o público) ficou ecoando em minha cabeça durante toda a apresentação do experimento cênico. Foi nítido perceber que o coletivo, com pesquisa desenvolvida na região do Cariri, tem um cuidado muito especial com a cultura popular, na manutenção da sua existência e na promoção do fazer cultural de um povo, mas sobretudo no imaginário das pessoas.
Essa imagem do cordão umbilical, que conecta os artistas com o público e por conseguinte, a brincadeira feita pelos atores, encenando as histórias narradas pelos mestres nos dá a dimensão de pensar o teatro como transmissão de saber, através desse cordão, que alimenta e nutre nosso imaginário sobre a tradição popular caririense. O espaço de atuação se transformava a cada brincadeira e cantoria. Um dos pontos que destaco nessa perspectiva do brincar e do estímulo à imaginação, foram as visualidades elaboradas pelos artistas, com pequenos pedaços de vidro colados na própria vestimenta e nos adereços de cena que, ao serem refletidos pela iluminação, criavam um espelhamento da luz dos refletores em todo o pátio da escola, criando uma paisagem visual poética e sensível para o trabalho.
Além disso, as articulações entre a narração dos mestres (que em Entremeios Poéticos possui um efeito muito poderoso) e a encenação/brincadeira operada por Gabriel Ângelo e Andreia Paris ao assumirem as alegorias do boi, do vaqueiro e Jaraguá (pontos altos da vivência), construíam um espaço de atuação que não só envolvia a plateia, mas era uma espécie de termômetro para as cenas subsequentes.
Foto: Ionara Sena
Tentando rememorar minhas escritas críticas e a de outros colegas, não lembro de eu, como crítico, ter feito análises sobre espetáculos ou experimentos que tenham bebido de práticas semelhantes à que foi proposta pelos artistas. O que me faz gerar algumas indagações de como a crítica especializada tem operado e se relacionado com práticas artísticas que tem como sua fonte principal a cultura popular. De modo geral, me parece que a crítica (e eu me insiro nesse quadro) tem se distanciado de espetáculos de teatro de rua ou de espetáculos/experimentos que tem na sua espinha dorsal o folclore brasileiro e/ou as manifestações culturais tradicionais. Como é o caso deste Entremeios Poéticos, que pensa as interseções entre teatro e cultura popular ao propor uma vivência e uma imersão no território criativo e poético das Guerreiras de Santa Lúcia, bem como entremeios Boi e Jaguará do reisado de São Francisco.
Ao dar luz para obras nessa perspectiva (da cultura popular), a crítica não só amplia as possibilidades de fruição, colocando a obra em movimento, mas dá visibilidade a elas. Crítica é também narração histórica, e como toda narração da história pode ser responsável por reforçar ausências de práticas artísticas, como Entremeios Poéticos, que tem na brincadeira e na transmissão de saberes, uma de suas maiores potências.
Ficha Técnica
Tutoria: Amok Teatro
Artistas criadores: Gabriel Ângelo, Andreia Paris, Mestra Lúcia Guerreira e Mestre Tico Barbosa
Publicado em 04 de abril de 2024